MOSTRA CARIRI DE CULTURA (15/11/2010)
Debate sobre o circo e o Nordeste
15/11/2010
A atriz e estudiosa de circo, Alice Viveiros de Castro, roubou a cena na abertura do Seminário Arte e Pensamento: A reinvenção do Nordeste, na Mostra Sesc Cariri de Cultura
O Nordeste precisa ser reinventado? A resposta é incerta. No entanto, muita gente parece querer reinventar o Nordeste. Isso em vários campos - teatro, literatura, antropologia, psicanálise. "A Reinvenção do Nordeste" foi o título do seminário Arte e Pensamento aberto, na última sexta-feira, no Sesc de Juazeiro do Norte, dentro da programação da Mostra Sesc Cariri de Cultura.
Os atores Ricardo Guilherme e Thiago Fortes analisaram, em perspectivas distintas, uma certa reinvenção da região no espaço do teatro. A também atriz, diretora de teatro, especialista em circo Alice Viveiros de Castro puxou a brasa para a sua sardinha. O circo, pelo menos em sua perspectiva, destrona o teatro. Isso, sempre.
Apesar de todos os preconceitos e preceitos, o circo tem público. O teatro nem tanto. O circo ainda é um mundo. Um mundo generoso. Lembra do Profeta Gentileza. Gentileza gera gentileza. E assim é a roda do circo. Espaço generoso e milenar, onde público e artistas são cúmplices. A aparente desorganização é talvez o princípio da magia ainda hoje presente em qualquer picadeiro - seja rico ou pobre, segundo Alice.
Ricardo Guilherme leu um texto linear sobre a evolução do teatro "nordestino". De Anchieta aos dias de hoje, suas matrizes índia, negra, ibérica, judia entrelaçando-se num caldo de cultura que gerou "um novo teatro", que, de certa forma, influenciou seu Teatro Radical.
Identidade
Já Fortes, mestre em teatro e professor de artes cênicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), seguidor de Antonin Artaud, citou a necessidade da busca de uma identidade ainda desconhecida do teatro, seja cearense ou não. Utilizou vários autores para defender seu ponto de vista, entre eles, o italiano Eugênio Barba, fundador do Odin Teatret, em 1964, com várias passagens pelo Brasil, inclusive Fortaleza. Citou até a memória involuntária proustiana para explicitar a busca de certo "teatro sensível" ou "singular".
Nem cearense, nem carioca (ele é carioca). Uma espécie de "não lugar", um contínuo olhar estrangeiro sobre o mesmo objeto: o teatro. Talvez, um teatro transgressor. Sem qualquer transgressão, afinal, a arte se instala no território da cultura. E a cultura, segundo ele, é o espaço da domesticação.
Alice Viveiros de Castro é especialista em circo e chegou a trabalhar no teatro de revista de Luiz Mendonça. É autora do livro "O Elogio da Bobagem - Palhaços no Brasil e no Mundo". Baixinha, sorriso fácil, defensora ardente do circo - seja do porte do Cirque du Soleil ou de um maltratado mambembe nordestino-, ela praticamente destronou "teóricos" do teatro.
Sem desmerecê-los, lógico. Falou do circo ou do mundo do circo. Não leu nenhum texto - como fizeram Ricardo e Thiago Fortes -, mas lembrou que tudo se originou com o circo, inclusive o teatro. O público, já pequeno pelo adiantado da hora, ficou fascinado.
Ela falou mais de uma hora. Narrou histórias de alegria e tristeza. Tragédias como a que ocorreu em Niterói na década de 60, quando um grande circo pegou fogo. Faltavam 20 minutos para o fim do espetáculo, quando um ressentido ex-empregado tocou fogo na lona causando uma tragédia de grandes proporções. Foram mais de 400 mortos.
Mambembe ou não, o circo ainda é o grande espetáculo da Terra. Fantasia e magia. Bate de frente com a realidade e a suposta verdade da vida. O circo mente. O palhaço também. O mágico idem. Alice Viveiros lembrou antigos e novos bordões circenses. O ritmo das contorcionistas e malabaristas. O riso da plateia quando alguém erra em pleno picadeiro.
Fez analogia com uma frase do Barão do Rio Branco sobre o Carnaval e a desorganização do Brasil. Desorganizado ou não, confuso ou não (ela está lançado um novo método confuso que não é o de Mendes Fradique), o circo prossegue. Atualmente, perseguido por muitos.
Picadeiro
Nas grandes cidades quase não existem mais espaços para grandes circos. Os animais do circo estão ameaçados por projetos de leis de sociedades protetoras de animais. Hipocrisia pura. Ninguém maltrata os animais no circo, a maioria deles, como nos zoológicos, nasce no cativeiro, segundo ela.
Os artistas, em sua maioria, marginalizados, principalmente pelo imaginário criado em torno deles. Inverdades pontuam também a rica história do circo. Mesmo assim com tantos obstáculos o circo sobrevive. E, segundo Alice Viveiros de Castro, bem melhor que o teatro. O tradicional e velho circo ainda mobiliza plateias em todos os cantos do planeta.
No Brasil, um circo pequeno tem 600 lugares. Um médio, mais de 2 mil lugares. Ela garante que o público, seja pequeno ou grande, sempre comparece. Diferente do teatro. O espetáculo, muitas vezes, é o mesmo. Parece o mito (ou o circo) do eterno retorno.
Todos compram ingressos para assistirem a mesma piada ou o mesmo número de magia. E o que tem a ver a reinvenção do Nordeste com o circo? Ora simples. O Nordeste também é um mundo. Maravilhoso, rico culturalmente. Como um circo. Mas o olhar de fora, estrangeiro, é de preconceito, desprezo.
Nordeste e circo, segundo Alice Viveiros, passam pelo mesmo problema: preconceito. Sem regionalismo ou "ismos" de qualquer espécie. Não é preciso reinventar nada.
As ideias sobre o circo e o Nordeste é que estão fora do lugar. O Nordeste, o circo e a roda já foram inventados.
O Nordeste precisa ser reinventado? A resposta é incerta. No entanto, muita gente parece querer reinventar o Nordeste. Isso em vários campos - teatro, literatura, antropologia, psicanálise. "A Reinvenção do Nordeste" foi o título do seminário Arte e Pensamento aberto, na última sexta-feira, no Sesc de Juazeiro do Norte, dentro da programação da Mostra Sesc Cariri de Cultura.
Os atores Ricardo Guilherme e Thiago Fortes analisaram, em perspectivas distintas, uma certa reinvenção da região no espaço do teatro. A também atriz, diretora de teatro, especialista em circo Alice Viveiros de Castro puxou a brasa para a sua sardinha. O circo, pelo menos em sua perspectiva, destrona o teatro. Isso, sempre.
Apesar de todos os preconceitos e preceitos, o circo tem público. O teatro nem tanto. O circo ainda é um mundo. Um mundo generoso. Lembra do Profeta Gentileza. Gentileza gera gentileza. E assim é a roda do circo. Espaço generoso e milenar, onde público e artistas são cúmplices. A aparente desorganização é talvez o princípio da magia ainda hoje presente em qualquer picadeiro - seja rico ou pobre, segundo Alice.
Ricardo Guilherme leu um texto linear sobre a evolução do teatro "nordestino". De Anchieta aos dias de hoje, suas matrizes índia, negra, ibérica, judia entrelaçando-se num caldo de cultura que gerou "um novo teatro", que, de certa forma, influenciou seu Teatro Radical.
Identidade
Já Fortes, mestre em teatro e professor de artes cênicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), seguidor de Antonin Artaud, citou a necessidade da busca de uma identidade ainda desconhecida do teatro, seja cearense ou não. Utilizou vários autores para defender seu ponto de vista, entre eles, o italiano Eugênio Barba, fundador do Odin Teatret, em 1964, com várias passagens pelo Brasil, inclusive Fortaleza. Citou até a memória involuntária proustiana para explicitar a busca de certo "teatro sensível" ou "singular".
Nem cearense, nem carioca (ele é carioca). Uma espécie de "não lugar", um contínuo olhar estrangeiro sobre o mesmo objeto: o teatro. Talvez, um teatro transgressor. Sem qualquer transgressão, afinal, a arte se instala no território da cultura. E a cultura, segundo ele, é o espaço da domesticação.
Alice Viveiros de Castro é especialista em circo e chegou a trabalhar no teatro de revista de Luiz Mendonça. É autora do livro "O Elogio da Bobagem - Palhaços no Brasil e no Mundo". Baixinha, sorriso fácil, defensora ardente do circo - seja do porte do Cirque du Soleil ou de um maltratado mambembe nordestino-, ela praticamente destronou "teóricos" do teatro.
Sem desmerecê-los, lógico. Falou do circo ou do mundo do circo. Não leu nenhum texto - como fizeram Ricardo e Thiago Fortes -, mas lembrou que tudo se originou com o circo, inclusive o teatro. O público, já pequeno pelo adiantado da hora, ficou fascinado.
Ela falou mais de uma hora. Narrou histórias de alegria e tristeza. Tragédias como a que ocorreu em Niterói na década de 60, quando um grande circo pegou fogo. Faltavam 20 minutos para o fim do espetáculo, quando um ressentido ex-empregado tocou fogo na lona causando uma tragédia de grandes proporções. Foram mais de 400 mortos.
Mambembe ou não, o circo ainda é o grande espetáculo da Terra. Fantasia e magia. Bate de frente com a realidade e a suposta verdade da vida. O circo mente. O palhaço também. O mágico idem. Alice Viveiros lembrou antigos e novos bordões circenses. O ritmo das contorcionistas e malabaristas. O riso da plateia quando alguém erra em pleno picadeiro.
Fez analogia com uma frase do Barão do Rio Branco sobre o Carnaval e a desorganização do Brasil. Desorganizado ou não, confuso ou não (ela está lançado um novo método confuso que não é o de Mendes Fradique), o circo prossegue. Atualmente, perseguido por muitos.
Picadeiro
Nas grandes cidades quase não existem mais espaços para grandes circos. Os animais do circo estão ameaçados por projetos de leis de sociedades protetoras de animais. Hipocrisia pura. Ninguém maltrata os animais no circo, a maioria deles, como nos zoológicos, nasce no cativeiro, segundo ela.
Os artistas, em sua maioria, marginalizados, principalmente pelo imaginário criado em torno deles. Inverdades pontuam também a rica história do circo. Mesmo assim com tantos obstáculos o circo sobrevive. E, segundo Alice Viveiros de Castro, bem melhor que o teatro. O tradicional e velho circo ainda mobiliza plateias em todos os cantos do planeta.
No Brasil, um circo pequeno tem 600 lugares. Um médio, mais de 2 mil lugares. Ela garante que o público, seja pequeno ou grande, sempre comparece. Diferente do teatro. O espetáculo, muitas vezes, é o mesmo. Parece o mito (ou o circo) do eterno retorno.
Todos compram ingressos para assistirem a mesma piada ou o mesmo número de magia. E o que tem a ver a reinvenção do Nordeste com o circo? Ora simples. O Nordeste também é um mundo. Maravilhoso, rico culturalmente. Como um circo. Mas o olhar de fora, estrangeiro, é de preconceito, desprezo.
Nordeste e circo, segundo Alice Viveiros, passam pelo mesmo problema: preconceito. Sem regionalismo ou "ismos" de qualquer espécie. Não é preciso reinventar nada.
As ideias sobre o circo e o Nordeste é que estão fora do lugar. O Nordeste, o circo e a roda já foram inventados.
JOSÉ ANDERSON SANDES*ESPECIAL PARA O CADERNO 3 DIÁRIO DO NORDESTE - CE
* O autor é jornalista, mestre em Literatura Brasileira e professor do curso de Comunicação Social da UFC (Cariri).
* O autor é jornalista, mestre em Literatura Brasileira e professor do curso de Comunicação Social da UFC (Cariri).
Estive no seminário na maioria dos seus dias de debate inclusive no comentado pelo jornalista José Anderson Sandes e posso afirmar que esse senhor ouviu o que quis.
ResponderExcluirO texto do Ricardo Guilherme foi histórico, mas NUNCA linear. Entrecortado por cantigas de roda, a voz e o texto nos encantou e nos lançou na história não escrita das lembranças.
Tiago Fortes não é seguidor de Artaud. Quem conhece a obra do pensador francês sabe que não é possível segui-lo como quem segue uma celebridade no twitter. Tiago Fortes discute, debate, problematiza Artaud, mas nunca o segue. Quem segue é fã.
Teatro sensível não é teatro singular! Uma coisa é completamente diferente da outra. Tiago Fortes falou em Teatro Singular, mas não em Teatro Sensível. Todo teatro é sensível, toda arte é sensível,pois são realizados por pessoas interessadas em construir e mostrar uma outra realidade, uma realidade extra cotidiana que foge aos nossos olhos, mas que está lá pra nos fazer pensar.
Através do estudo das obras de Deleuze e Gattari, Tiago Fortes vai se aprofundar no conceito de cultura como conceito reacionário, onde tudo é capitalizado e normalizado, domesticando o homem e fazendo-o pensar que as coisas são inatas e prescindem da criação, surgiram com deus. A tentativa de transgressão é justamente a tentativa de tirar o teatro do âmbito da cultura e alça-la ao âmbito das criações artificiais que visam a construção de novas realidades. O teatro não pode ser o exercício mimético das transposições da vida pro palco. Isso o mata. O enpobrece, mas apenas quem conhece arte e as discussões estéticas é capaz de ver o mérito dessa discussão.
Percebo no título e no texto em geral um imenso preconceito com as construções e debates conceituais. Uma hiper valorização dos sentimentalismos provocados pelo discurso dos excluídos. A condição do circo pode e deve ser discutida, mas sem nunca perder de vista os conceitos que produziram os fatos descritos no artigo. Se o circo pede socorro precisamos parar de ser condescentendes, pois se ele está no estado em que está é porque os conceitos que permearam sua existência e produção caducaram e precisam ser revistos. Não é dando esmola que ajudamos o mendigo. (Detesto comparações mas é a única forma de me fazer entender e clarear esse mal entendido).
Há um preconceito imenso em relação ao acadêmico e a produção de conceitos. Vivemos e produzimos fatos através de conceitos que sequer paramos pra pensar, mas é trabalho do acadêmico fazer justamente isso. Porque repeli-lo? Porque diminuir seu trabalho em favor de um show?
Alice mudou sua palestra porque estava lá, ouviu seus companheiros de mesa e decidiu mudar sua abordagem, mas ela também tinha sua palestra escrita,iria lê-la se a platéia não tivésse esquecido que estava num seminário sobre arte e PENSAMENTO e ido embora. Pensar não é óbvio, exige tempo, calorias, amor. Nos perdemos no pensamento e do exercício do pensar. Pensar cansa! Melhor é escolher o show, o entretenimento, a diversão fácil e direta.
Esse artigo me mostra que, mas que nunca é preciso pensar o nordeste, o Brasil, o homem, sempre. O Nordeste está inventado, mas não é bom o suficiente se produz esse tipo de artigo, esse tipo de reflexão, que prefere o imediato do sentimentalismo em detrimento ao pensamento critico.
Não sou acadêmica, mas sou atriz, artista, pensadora. Leio, escuto, penso e acho que é necessário sempre reinventar. Sair do instituído, do fenômeno de massa, daquilo que criam pra gente sem que saibamos sequer porque. Paremos com essa descriminação tola e infantil da produção acadêmica. É ela que faz girar a roda na qual você está andando agora, ela faz você pensar o que está pensando agora. Se não estivermos atentos a ela hoje, seremos piores amanhã e sequer sabermos porque.
Júlia Sarmento
Atriz
Vejo como a arte circense necessita de mais
ResponderExcluirapoio.Mto já foi conseguido,mas é preciso que a
msm se estabeleça como uma arte tão valorizada
como o teatro e a musica.Abç a todos.