Por que montar "De Santiago do
Chile, 1973" no Ceará?
Chile, 1973" no Ceará?
Trata-se da mesma pergunta (mas claro, provocando questões diferentes) que nos fizemos quando resolvemos montar esse texto, que trata da Ditadura Militar no Chile, no Rio de Janeiro. Este trabalho é uma criação que se dá por uma leitura em cadeia. O autor assistiu o filme Machuca! e escreveu este texto como uma criação autônoma. Nós lemos seu texto e fizemos uma encenação como uma criação autônoma. Chamamos um iluminador, um vídeomaker e um músico de eletroacústica, pedindo que cada um deles realizasse uma criação autônoma. A princípio é isto que acontece em qualquer espetáculo, mas em sua grande maioria a figura do encenador é responsável por fazer convergir em direção a uma unidade final (a obra teatral) estas criações dispersas.
No início de 2010 viemos (eu e Júlia Sarmento – o Grupo de Dois, dois atores se dirigindo mutuamente) morar em Fortaleza pois fui contratado para ser professor de interpretação na Universidade Federal do Ceará. Isto aconteceu quando tínhamos acabado de realizar uma primeira (foram duas) apresentação do espetáculo para o público. O espetáculo tinha acabado de nascer, sua geração a princípio estava completa. Chegando nesta cidade que não conhecemos, a qual nunca tínhamos vindo, com a qual não temos nenhum vínculo afetivo (por enquanto), começamos a refletir sobre o destino deste bebê que mal começou a andar. E o que decidimos com muita alegria foi: enfiá-lo novamente no útero, fazer novas misturas de elementos genéticos diferentes dos originais. Se quisermos ser fiéis a esta criação que se deu por leituras em cadeia, não podemos simplesmente convidar um novo músico, um novo iluminador e um novo vídeomaker e pedir para que eles se adaptem ao que já existe. É claro que existe uma estrutura, um esqueleto, mas queremos preenchê-lo com outra musculatura, outro sistema nervoso, novas camadas de gordura, enfim, será um outro corpo.
Este espetáculo não discute a macro política em suas instituições e ideologias, mas tenta fazer viver ao vivo uma micro política com opressões sem sujeito, que surgem de todos os lados, revelando não o nome da máquina, mas as pequenas engrenagens que a fazem funcionar. É assim que esta invasão de novos integrantes na equipe de produção deste espetáculo, integrantes que vivem esta cidade que não conhecemos e da qual não conhecemos as engrenagens de funcionamento do Poder, fará De Santiago do Chile, 1973 revelar estas opressões locais. Não queremos simplesmente fazê-lo falar a velha fórmula conhecida da exclusão do Nordeste, queremos saber como esta fórmula funciona em suas micro operações do dia-a-dia, não simplesmente de uma opressão de cima para baixo, do governo para o povo, pois esta também é uma fórmula desgastada, mas do pai para a filha ou filho, o marido e a mulher, e também o filho para o pai e a mulher para o marido, o garçom que é desrespeitado pelo cliente, mas também este que presta um des-serviço àquele, etc. Enfim, não sou em quem vai dizer, eu sou o estrangeiro, historicamente o opressor pois venho do eixo Rio - São Paulo.
Em minha cidade de origem este espetáculo tentou fazer revelar a opressão de uma cidade onde somos obrigados a ser sujeitos-vitrines, a ter um Nome, ser alguém conhecido, bronzeado, lindo, cheio de amigos, um bon-vivant. Mas isto não se deu pelo discurso, por uma referência exterior à realidade do espetáculo, mas por aquilo que eu, como diretor, peço para a atriz fazer diante do espectador que a oprime com o olhar de expectativa; aquilo de invasivo que o videomaker revela na imagem, compreendendo que não basta dizer que a televisão oprime por ser uma instituição dominadora que manipula os desejos, pensamentos e sentimentos da população, mas como ela o faz, utilizando que tipo de imagens, um close num super astro acompanhado de uma música que corroboram para nos enfeitiçar e guiar o que devemos pensar sobre qual personagem em relação a qual outro. Enfim, cada um deve conhecer o poder opressivo de seu próprio ofício, de sua própria técnica, para não vendê-la entusiasmadamente como uma ferramenta de salvação. Quanto a mim, como diretor e ator, acredito que um dos grandes poderes opressivos do teatro, aquilo no qual ele se exerce enquanto poder de dominação, é exatamente sua habilidade em encantar o espectador com sonhos poéticos que apenas corroboram para que ele adormeça tranqüilo em sua fé na liberdade.
Tiago Fortes, diretor
Tiago e Júlia e todos da montagem que é ótima, que está ótima. Creio que a grande sacada da montagem é a percepção de que a opressão é sem tempo, é sem hora marcada - talvez que ela esteja em todos os lugares, e de todos os modos, e que sejamos todos uns seus reféns. Como se pudéssemos dizer, ou melhor, como se apenas nos restasse dizer que há nas coisas, que há entre as coisas o caráter de urgência urgentíssima, a do viver a toda prova, a do experimento que é toda hora, e isto sem qualquer fiador, e isto sem qualquer amparo, fundamento ou algo que o valha. Afirmação contumaz do precário (não o precário quanto aos modos otimizados do fazer, as disponibilidades de recursos e linguagens), mas o precário como o estatuto no qual, uma vez em equilíbrio, o corpo é todo ele a matéria móvel e fugidia na que uns modos à expressão rebatem. abraço e beijo, andré q
ResponderExcluirestou com você Tiago - teatro unha e carne com a vida, suas nervuras e corporificações. insistir nessa dança de vozes imagens sons, explodir a passividade e a expectação, o medo de ver e sentir o que se vê em suas múltiplas possibilidades. sua montagem investiga incita todos os sentidos. é o teatro do abalo e não da badalação. tem estrutura de cinema e romance literário. gostei imenso. sempre.
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