Foto: Evandro Teixeira, fotógrafo que participará da 3ª edição do Semínário Arte e Pensamento, em Juazeiro do Norte - CE

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

MOSTRA CARIRI DE CULTURA (15/11/2010)

Debate sobre o circo e o Nordeste

  • delicous
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Thiago e Guilherme: atores analisaram, de formas distintas, a reinvenção do Nordeste pelo Teatro
FOTOS: JÚNIOR PANELA/DIVULGAÇÃO
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15/11/2010 
A atriz e estudiosa de circo, Alice Viveiros de Castro, roubou a cena na abertura do Seminário Arte e Pensamento: A reinvenção do Nordeste, na Mostra Sesc Cariri de Cultura 
O Nordeste precisa ser reinventado? A resposta é incerta. No entanto, muita gente parece querer reinventar o Nordeste. Isso em vários campos - teatro, literatura, antropologia, psicanálise. "A Reinvenção do Nordeste" foi o título do seminário Arte e Pensamento aberto, na última sexta-feira, no Sesc de Juazeiro do Norte, dentro da programação da Mostra Sesc Cariri de Cultura.

Os atores Ricardo Guilherme e Thiago Fortes analisaram, em perspectivas distintas, uma certa reinvenção da região no espaço do teatro. A também atriz, diretora de teatro, especialista em circo Alice Viveiros de Castro puxou a brasa para a sua sardinha. O circo, pelo menos em sua perspectiva, destrona o teatro. Isso, sempre.

Apesar de todos os preconceitos e preceitos, o circo tem público. O teatro nem tanto. O circo ainda é um mundo. Um mundo generoso. Lembra do Profeta Gentileza. Gentileza gera gentileza. E assim é a roda do circo. Espaço generoso e milenar, onde público e artistas são cúmplices. A aparente desorganização é talvez o princípio da magia ainda hoje presente em qualquer picadeiro - seja rico ou pobre, segundo Alice.

Ricardo Guilherme leu um texto linear sobre a evolução do teatro "nordestino". De Anchieta aos dias de hoje, suas matrizes índia, negra, ibérica, judia entrelaçando-se num caldo de cultura que gerou "um novo teatro", que, de certa forma, influenciou seu Teatro Radical.

Identidade
Já Fortes, mestre em teatro e professor de artes cênicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), seguidor de Antonin Artaud, citou a necessidade da busca de uma identidade ainda desconhecida do teatro, seja cearense ou não. Utilizou vários autores para defender seu ponto de vista, entre eles, o italiano Eugênio Barba, fundador do Odin Teatret, em 1964, com várias passagens pelo Brasil, inclusive Fortaleza. Citou até a memória involuntária proustiana para explicitar a busca de certo "teatro sensível" ou "singular".

Nem cearense, nem carioca (ele é carioca). Uma espécie de "não lugar", um contínuo olhar estrangeiro sobre o mesmo objeto: o teatro. Talvez, um teatro transgressor. Sem qualquer transgressão, afinal, a arte se instala no território da cultura. E a cultura, segundo ele, é o espaço da domesticação.

Alice Viveiros de Castro é especialista em circo e chegou a trabalhar no teatro de revista de Luiz Mendonça. É autora do livro "O Elogio da Bobagem - Palhaços no Brasil e no Mundo". Baixinha, sorriso fácil, defensora ardente do circo - seja do porte do Cirque du Soleil ou de um maltratado mambembe nordestino-, ela praticamente destronou "teóricos" do teatro.

Sem desmerecê-los, lógico. Falou do circo ou do mundo do circo. Não leu nenhum texto - como fizeram Ricardo e Thiago Fortes -, mas lembrou que tudo se originou com o circo, inclusive o teatro. O público, já pequeno pelo adiantado da hora, ficou fascinado.

Ela falou mais de uma hora. Narrou histórias de alegria e tristeza. Tragédias como a que ocorreu em Niterói na década de 60, quando um grande circo pegou fogo. Faltavam 20 minutos para o fim do espetáculo, quando um ressentido ex-empregado tocou fogo na lona causando uma tragédia de grandes proporções. Foram mais de 400 mortos.

Mambembe ou não, o circo ainda é o grande espetáculo da Terra. Fantasia e magia. Bate de frente com a realidade e a suposta verdade da vida. O circo mente. O palhaço também. O mágico idem. Alice Viveiros lembrou antigos e novos bordões circenses. O ritmo das contorcionistas e malabaristas. O riso da plateia quando alguém erra em pleno picadeiro.

Fez analogia com uma frase do Barão do Rio Branco sobre o Carnaval e a desorganização do Brasil. Desorganizado ou não, confuso ou não (ela está lançado um novo método confuso que não é o de Mendes Fradique), o circo prossegue. Atualmente, perseguido por muitos.

Picadeiro
Nas grandes cidades quase não existem mais espaços para grandes circos. Os animais do circo estão ameaçados por projetos de leis de sociedades protetoras de animais. Hipocrisia pura. Ninguém maltrata os animais no circo, a maioria deles, como nos zoológicos, nasce no cativeiro, segundo ela.

Os artistas, em sua maioria, marginalizados, principalmente pelo imaginário criado em torno deles. Inverdades pontuam também a rica história do circo. Mesmo assim com tantos obstáculos o circo sobrevive. E, segundo Alice Viveiros de Castro, bem melhor que o teatro. O tradicional e velho circo ainda mobiliza plateias em todos os cantos do planeta.

No Brasil, um circo pequeno tem 600 lugares. Um médio, mais de 2 mil lugares. Ela garante que o público, seja pequeno ou grande, sempre comparece. Diferente do teatro. O espetáculo, muitas vezes, é o mesmo. Parece o mito (ou o circo) do eterno retorno.

Todos compram ingressos para assistirem a mesma piada ou o mesmo número de magia. E o que tem a ver a reinvenção do Nordeste com o circo? Ora simples. O Nordeste também é um mundo. Maravilhoso, rico culturalmente. Como um circo. Mas o olhar de fora, estrangeiro, é de preconceito, desprezo.

Nordeste e circo, segundo Alice Viveiros, passam pelo mesmo problema: preconceito. Sem regionalismo ou "ismos" de qualquer espécie. Não é preciso reinventar nada.

As ideias sobre o circo e o Nordeste é que estão fora do lugar. O Nordeste, o circo e a roda já foram inventados.
JOSÉ ANDERSON SANDES*ESPECIAL PARA O CADERNO 3 DIÁRIO DO NORDESTE - CE
* O autor é jornalista, mestre em Literatura Brasileira e professor do curso de Comunicação Social da UFC (Cariri).


sábado, 11 de dezembro de 2010

Teatro-leitura
será que hoje o que ainda não sei que nome tem vai irromper e arrebatar, será?
João Gilbeto Noll, Harmada
Santiago do Chile, 1973 não é texto de dramaturgo, sequer de encenador ou homem de teatro – trata-se de um conto do escritor e filósofo André Queiroz, que o “Grupo de Dois” encena o labirinto inexaurível de leitura, sem que o fato de ir ao teatro corresponda a ir à biblioteca retirar um livro. Leitura como jogo interativo e explícito pra desorganizar as formas de expressão de um teatro que não leva em conta as sociedades da era digital, que mais faz palestra do que encena, mais refugia do que lança ao inferno, e depois de um mês em cartaz está fora do prazo de validade – por não ter como criar outra coisa à parte a essa máquina de encenar estática e sempre confiante nos Manuais de instrução. O texto “pra teatro” não é mais o ponto propulsor do ato cênico. Há outro ar em torno dele, nem do campo nem da cidade, que mesmo Brecht e Müller não souberam precisar, mas aí puderam sufocar antigos maneirismos e elementos. Santiago é o êxtase do deserto. A sufocação fica gravada em nossas feições. De um percurso árido. De vários patamares de tempo-espaço, sucessivos cortes, zonas e entradas. O ar fica especialmente abafado. O público chega, toma assento, “circula” nos domínios coletivos de uma escrita que avança par a par com a estranha órbita dos discursos de dor como resultado do mal que cada um pode fazer ao outro. Isto tanto pode estar em Rei Lear, de William Shakespeare, quanto nos textos-poemas pra vozes de João Cabral de Melo Neto (dentre eles Morte e Vida Severina, com que infelizmente seus encenadores ainda almejam alcançar uma eficácia social pra palavra encenada, sem que tal aspecto jamais tenha sido uma lei de funcionamento do texto). A questão por inteiro é que mesmo em seus poemas João Cabral encena a palavra que não pretende fingir nada – a forma pode ser atingida, se romper, mas a Palavra tem que permanecer intacta seja qual for o enredo. Santiago continua sendo um teatro da palavra que perpassa por essas linhas e se prorroga em suas nuances infinitas. Palavra dita por vezes em minucioso silêncio ou a plenos pulmões, gritos-sopros que não recorrem à metáfora pra ativar ali na sala quase escura um enredo que nos humanize ou dê consciência (sempre muito de acordo com o incentivo comercial dos patrocinadores). Seu encenador e também ator Tiago Fortes é quem nos dá essa versão alterada dos Manuais ao mudar as linhas de ataque destas “anotações” de dor. Menos até como teatro e mais, muito mais, como experimentação de estados de invenção, de sons e imagens desterritorializados – ondas de memória e lapsos que vão se alternando e variando em camadas sucessivas de vozes, como rasgos na pele em que se tenta remendar o que há anos ou há pouquinho se passou bem ali na tela onde se projetam as fadigas e os ultrajes do corpo, intensificando sempre o fato de que a protagonista não merece aquilo. Se por um lado o sofrimento dela não pode ficar encoberto, sequer os danos a sua vulnerabilidade, por outro lado, não se pode presumir daí algum reembolso, mesmo a vingança. O clímax aqui não traz a resolução do conflito. Talvez mesmo ele não exista de modo clássico e esteja presente como uma espécie de litígio pelo fato de que tudo aqui avança pra se constituir como “anotações” não só do que a protagonista sabia e vivia, mas do que todos sabem, ainda que dentro de cada um nada pareça despertar. A “leitura” de Tiago Fortes  da narrativa de André Queiroz é de que não há o Segredo. Todos sabem. Está diante dos olhos e mesmo se pode sentir na própria carne, metido aí como uma espécie de morte, extraordinariamente condensado. Seria este o elemento que faltava detectar? Ação a que se tem que recorrer pra se completar este jogo suspeito? Lembrar de lembrar o que se sabe?

ney ferraz paiva
salgueiro - pe outubro 2010 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Por que montar "De Santiago do
Chile, 1973" no Ceará?

            Trata-se da mesma pergunta (mas claro, provocando questões diferentes) que nos fizemos quando resolvemos montar esse texto, que trata da Ditadura Militar no Chile, no Rio de Janeiro. Este trabalho é uma criação que se dá por uma leitura em cadeia. O autor assistiu o filme Machuca! e escreveu este texto como uma criação autônoma. Nós lemos seu texto e fizemos uma encenação como uma criação autônoma. Chamamos um iluminador, um vídeomaker e um músico de eletroacústica, pedindo que cada um deles realizasse uma criação autônoma. A princípio é isto que acontece em qualquer espetáculo, mas em sua grande maioria a figura do encenador é responsável por fazer convergir em direção a uma unidade final (a obra teatral) estas criações dispersas.
No início de 2010 viemos (eu e Júlia Sarmento – o Grupo de Dois, dois atores se dirigindo mutuamente) morar em Fortaleza pois fui contratado para ser professor de interpretação na Universidade Federal do Ceará. Isto aconteceu quando tínhamos acabado de realizar uma primeira (foram duas) apresentação do espetáculo para o público. O espetáculo tinha acabado de nascer, sua geração a princípio estava completa. Chegando nesta cidade que não conhecemos, a qual nunca tínhamos vindo, com a qual não temos nenhum vínculo afetivo (por enquanto), começamos a refletir sobre o destino deste bebê que mal começou a andar. E o que decidimos com muita alegria foi: enfiá-lo novamente no útero, fazer novas misturas de elementos genéticos diferentes dos originais. Se quisermos ser fiéis a esta criação que se deu por leituras em cadeia, não podemos simplesmente convidar um novo músico, um novo iluminador e um novo vídeomaker e pedir para que eles se adaptem ao que já existe. É claro que existe uma estrutura, um esqueleto, mas queremos preenchê-lo com outra musculatura, outro sistema nervoso, novas camadas de gordura, enfim, será um outro corpo.
Este espetáculo não discute a macro política em suas instituições e ideologias, mas tenta fazer viver ao vivo uma micro política com opressões sem sujeito, que surgem de todos os lados, revelando não o nome da máquina, mas as pequenas engrenagens que a fazem funcionar. É assim que esta invasão de novos integrantes na equipe de produção deste espetáculo, integrantes que vivem esta cidade que não conhecemos e da qual não conhecemos as engrenagens de funcionamento do Poder, fará De Santiago do Chile, 1973 revelar estas opressões locais. Não queremos simplesmente fazê-lo falar a velha fórmula conhecida da exclusão do Nordeste, queremos saber como esta fórmula funciona em suas micro operações do dia-a-dia, não simplesmente de uma opressão de cima para baixo, do governo para o povo, pois esta também é uma fórmula desgastada, mas do pai para a filha ou filho, o marido e a mulher, e também o filho para o pai e a mulher para o marido, o garçom que é desrespeitado pelo cliente, mas também este que presta um des-serviço àquele, etc. Enfim, não sou em quem vai dizer, eu sou o estrangeiro, historicamente o opressor pois venho do eixo Rio - São Paulo.
Em minha cidade de origem este espetáculo tentou fazer revelar a opressão de uma cidade onde somos obrigados a ser sujeitos-vitrines, a ter um Nome, ser alguém conhecido, bronzeado, lindo, cheio de amigos, um bon-vivant. Mas isto não se deu pelo discurso, por uma referência exterior à realidade do espetáculo, mas por aquilo que eu, como diretor, peço para a atriz fazer diante do espectador que a oprime com o olhar de expectativa; aquilo de invasivo que o videomaker revela na imagem, compreendendo que não basta dizer que a televisão oprime por ser uma instituição dominadora que manipula os desejos, pensamentos e sentimentos da população, mas como ela o faz, utilizando que tipo de imagens, um close num super astro acompanhado de uma música que corroboram para nos enfeitiçar e guiar o que devemos pensar sobre qual personagem em relação a qual outro. Enfim, cada um deve conhecer o poder opressivo de seu próprio ofício, de sua própria técnica, para não vendê-la entusiasmadamente como uma ferramenta de salvação. Quanto a mim, como diretor e ator, acredito que um dos grandes poderes opressivos do teatro, aquilo no qual ele se exerce enquanto poder de dominação, é exatamente sua habilidade em encantar o espectador com sonhos poéticos que apenas corroboram para que ele adormeça tranqüilo em sua fé na liberdade.

Tiago Fortes, diretor